Poesia
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Idéia de Deus
por Gonçalves Dias
Publicado no livro Primeiros Cantos (1846).


Gross ist der Herr! Die Himmel ohne Zahl

Sind seine Wohnungen!
Seine Wagen die donnernden Gewölke,
Und Blitze sein Gespann.

-- KLeist



I
À voz de Jeová infindos mundos
Se formaram do nada;
Rasgou-se o horror das trevas, fez-se o dia,
E a noite foi criada,

Luziu no espaço a lua! sobre a terra
Rouqueja o mar raivoso,
E as esferas nos céus ergueram hinos
Ao Deus prodigioso.

Hino de amar a criação, que soa
Eternal, incessante,
Da noite no remanso, no ruído
Do dia cintilante!

A morte, as aflições, o espaço, o tempo,
O que é para o Senhor?
Eterno, imenso, que lh'importa a sanha
Do tempo roedor?

Como um raio de luz, percorre o espaço,
E tudo nota e vê -
O argueiro, os mundos, o universo, o justo;
E o homem que não crê.

E ele que pode aniquilar os mundos,
Tão forte como ele é,
E vê e passa, e não castiga o crime,
Nem o ímpio sem fé!

Porém quando corrupto um povo inteiro
O Nome seu maldiz,
Quando só vive de vingança e roubos,
Julgando-se feliz;

Quando o ímpio comanda, quando o justo
Sofre as penas do mal,
E as virgens sem pudor, e as mães sem honra.
E a justiça venal;

Ai da perversa, da nação maldita,
Cheia de ingratidão,
Que há de ela mesma sujeitar seu colo
A justa punição.

Ou já terrível peste expande as asas,
Bem lenta a esvoaçar;
Vai de uns a outros, dos festins conviva,
Hóspede em todo o lar!

Ou já torvo rugir da guerra acesa
Espalha a confusão;
E a esposa, e a filha, de tenor opresso,
Não sente o coração.

E o pai, e o esposo, no morrer cruento,
Vomita o fel raivoso;
- Milhões de insetos vis que um pé gigante
Enterra em chão lodoso.

E do povo corrupto um povo nasce
Esperançoso e crente.
Como do podre e carunchoso tronco
Hástea forte e virente.

II
Oh! como é grande o Senhor Deus, que os mundos
Equilibra nos ares;
Que vai do abismo aos céus, que susta as iras
Do pélago fremente,
A cujo sopro a máquina estrelada
Vacila nos seus eixos,
A cujo aceno os querubins se movem
Humildes, respeitosos,
Cujo poder, que é sem igual, excede
A hipérbole arrojada!
Oh! como é grande o Senhor Deus dos mundos,
O Senhor dos prodígios.

III
Ele mandou que o sol fosse princípio,
E razão de existência,
Que fosse a luz dos homens - olho eterno
Da sua providência.

Mandou que a chuva refrescasse os membros,
Refizesse o vigor
Da terra hiante, do animal cansado
Em praino abrasador.

Mandou que a brisa sussurrasse amiga,
Roubando aroma à flor;
Que os rochedos tivessem longa vida,
E os homens grato amor!

Oh! como é grande e bom o Deus que manda
Um sonho ao desgraçado,
Que vive agro viver entre misérias,
De ferros rodeado;

O Deus que manda ao infeliz que espere
Na sua providência;
Que o justo durma, descansado e forte
Na sua consciência!

Que o assassino de contínuo vele,
Que trema de morrer;
Enquanto lá nos céus, o que foi morto,
Desfruta outro viver!

Oh! como é grande o Senhor Deus, que rege
A máquina estrelada,
Que ao triste dá prazer; descanso e vida
À mente atribulada!

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